terça-feira, 17 de abril de 2012

Livro de 1995 - "Texto de ..."

TEXTO DE …

“Naquele tempo a festa começava um mês antes. No exacto momento em que acabava a feira de Setembro. Juntávamo-nos debaixo de uma laranjeira, o Ardila a correr aos nossos pés e um pouco mais acima um rancho de rãs cantando à desgarrada no pego do moinho. (…)

Naquele tempo devorava os minutos da festa como quem devorava as laranjas da nossa laranjeira. Namorava as pinhoadas, ficava fascinado vendo os homens do fogo-de-artifício compondo as aparelhagens que à meia-noite disparavam rios de morteiros e foguetes de lágrimas, corria pelos coretos. O Augusto era dos Amarelos, eu marchava atrás dos Leões (…) e no fim discutíamos qual das bandas era a melhor. Descobri depois que eram as duas, mas naquele tempo ainda chegavam rumores de tempos idos de que as rivalidades entre filarmónicas tivera honras de discussões resolvidas a murro sobre qual o melhor clarinete e a trompete mais afinada.
Corríamos a vila, sôfregos de festa e depois de rebentarem os foguetes ganhava-se o alento para os grandes acontecimentos do outro dia onde Nª Sª do Carmo sairia à rua e nós iríamos à igreja. (…)

A música compassada e grave, os cascos dos cavalos da GNR na guarda de honra, impunham silêncio, respeitos, e mistérios por decifrar nesta viagem do Sagrado pelas ruas profanas da minha terra e ao recolher da procissão, (…), ficava o cheiro a rosmaninho pelo chão e a saudade de dois dias vividos a correr, bebidos e devorados minuto a minuto.
Foi a última procissão pobre na nossa terra. Para mim e para os rapazes do meu monte era tão rica, tão rica de vida e alegria que não percebemos porque razão no ano seguinte seria preciso haver festeiros. E houve. Foi coisa que nos deixou intrigados num dos nossos concílios em volta da laranjeira.
O Domingos filosofava: o festeiro é um homem que faz festas. Mas o senhor Zé não é talhante? O Senhor Pinto não é comerciante? Se calhar mudaram de profissão…
Ficámos em silêncio. … Para o ano logo se vê …

Vinte e quatro anos depois de todos estes acontecimentos carregados de preocupações sobre o futuro dos arraiais e foguetes encontrava-me em Goa. (…)

Voltei à festa. (…) Os festeiros são profissionais da vida e exportadores de festas. (…), os festeiros transformaram a festa na mais rica de todas as memórias.
(…)

Francisco Moita Flores, no livro das festas do Ano de 1995

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